Em 2026, o curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Estadual de Goiás (UEG) celebrará seus 20 anos de existência. Para marcar essa trajetória e homenagear as conquistas ao longo de duas décadas, o CriaLab|UEG desenvolve o projeto “Cinema, Histórias e Laranjeiras”. A iniciativa tem como objetivo reunir depoimentos de egressos e egressas de destaque, além de pessoas que contribuíram para a construção do curso, por meio de entrevistas que serão divulgadas nos canais institucionais da UEG e, posteriormente, organizadas em um e-book comemorativo. Como parte das ações comemorativas, também será realizado, em 2026, o plantio de um pomar de laranjeiras na Unidade Universitária Goiânia-Laranjeiras, com uma árvore representando cada turma formada. Confira abaixo o 7º episódio da série, com a fotógrafa e editora Lara Guimarães.
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A fotografia representa uma das dimensões múltiplas e cruciais do audiovisual. Capturar o olhar sobre o mundo, contar uma história num único still, desenhar com a luz; foi a partir desse importante campo que Lara Vitória Guimarães mergulhou no mundo das narrativas visuais e, com ele, no curso de Cinema e Audiovisual da UEG. E desse primeiro interesse surgiram outros, também múltiplos e cruciais, na medida em que as oportunidades se abriam, permitindo que ela não só se aprimorasse profissionalmente, mas conhecesse novas realidades e novas questões. Hoje, a fotógrafa e diretora conversa conosco para o sétimo episódio do especial Cinemas, Histórias e Laranjeiras.
CHL: Conta um pouquinho de onde você vem, quem é a Lara.
Lara Guimarães: Meu nome é Lara Vitória Guimarães, sou formada em Cinema e Audiovisual. Atualmente trabalho na Defensoria Pública do Estado de Goiás, na equipe de comunicação, e também desenvolvo projetos audiovisuais em geral, publicidade e fotografia — principalmente em eventos, casamentos e ensaios.
Paralelamente, faço parte de um coletivo de ex-alunos da UEG, com o qual realizamos projetos publicitários, cobertura de eventos e buscamos seguir o caminho do cinema, alugando equipamentos e captando recursos para a produção de filmes. Estou, portanto, transitando nessas áreas.
Sempre morei em Goiás, em Aparecida de Goiânia, e estudei em colégios pequenos. No ensino médio, fui para escolas maiores e enfrentei o momento de decidir o que faria para o resto da vida. Confesso que me sentia um pouco perdida. Foi nessa época que, participando da igreja, tive contato com uma câmera semiprofissional. Comecei a tirar fotos e esse foi meu primeiro contato com a fotografia de forma mais séria.
Passei a gostar muito e comecei a estudar. Na época, a UEG oferecia vestibular seriado, com provas no primeiro e no terceiro ano. Quando chegou o terceiro ano, pensei em não fazer, porque não tinha interesse nos cursos de lá. Mas um amigo insistiu: “Você já fez os outros anos, faça agora.”
Pesquisando os cursos, descobri que havia Cinema e Audiovisual. Acabei prestando vestibular para esse curso, além do Enem, em que também optei por áreas da comunicação, como Publicidade. Quando vi que havia passado em Cinema e Audiovisual, enquanto nos outros cursos fiquei apenas para chamadas posteriores, decidi começar ali. Foi quando me encontrei: gostei muito do curso e percebi que fazia muito mais sentido para mim do que as outras opções, principalmente por estar ligado à fotografia, que eu já praticava, e me permitir contato com diversas áreas.
Sou uma pessoa um pouco indecisa, sempre confusa nas escolhas, mas foi curioso como deu certo logo de primeira. Fiquei muito feliz.
CHL: Então seu primeiro contato com a fotografia foi na igreja?
Lara Guimarães
Na época, eu participava da igreja. Brinco que me sinto uma “diva pop”, porque quase toda cantora começa na igreja e depois segue a carreira. Lá havia uma câmera, e lembro que, em um acampamento, um rapaz me entregou e disse: “Tira umas fotos para a gente.”
Enquanto fotografava, ainda no modo automático, não percebia muito. Mas, quando colocamos no computador e vi a resolução e as cores, fiquei impressionada. Naquela época, os celulares não tinham qualidade tão boa, então foi um impacto. A partir daí, comecei a estudar e pesquisar. Minha avó queria comprar uma câmera, e eu a convenci a adquirir uma semiprofissional. Como ela não sabia usar, acabou dizendo: “Fica para você.” Assim, a câmera ficou comigo. Acho que já era o início da faculdade, então as duas coisas andaram juntas.
CHL: E as primeiras impressões da UEG, o que você sentiu?
Lara Guimarães:
Como eu disse, sempre estudei em escolas pequenas. Por isso, quando cheguei à UEG, achei tudo enorme. Hoje percebo que o campus era pequeno, com apenas dois cursos, mas na época parecia um mundo novo. Lembro-me de pensar: “Meu Deus, o que eu faço? Para onde eu vou?”
As primeiras matérias já me marcaram bastante: Introdução ao Audiovisual, Roteiro… Eu ficava encantada. Além disso, o ambiente era muito descolado, com uma troca bacana de experiências entre veteranos e calouros, o que me agradou muito.
Logo nos primeiros anos participei de projetos além das disciplinas. Recordo-me de que a professora Júlia Mariano nos convidou para integrar um projeto de dança e acessibilidade. Passamos o ano inteiro filmando pessoas com deficiência que participavam. Esse trabalho me trouxe não apenas aprendizado técnico, mas também um grande crescimento pessoal.
A partir desse projeto, outras portas se abriram. Dentro da faculdade, tive contato com diferentes áreas, conheci muitas pessoas e ampliei meu desenvolvimento profissional.
CHL:Eu vi que você coloca no seu currículo a respeito do livro Visibilidade do Esporte: Atleta Paralímpico, Coleção e Inclusão. Teve a ver com isso?
Lara Guimarães:
Sim, teve a ver a partir desse primeiro projeto. Nós realizamos uma exposição totalmente acessibilizada, com obras táteis e recursos de inclusão. Aprendemos, por exemplo, a utilizar o piso tátil para pessoas com deficiência visual, experimentamos pinturas em 3D e outros materiais que permitissem diferentes formas de percepção. Fizemos vários testes para garantir a acessibilidade.
Além disso, produzimos fotos e vídeos, e a exposição aconteceu na UFG. Também filmamos uma apresentação de teatro. Esse foi o primeiro projeto. Depois dele, fui chamada para estagiar no Mídia Lab da UFG, em um trabalho que também contou com a participação da professora Júlia.
Nesse estágio tive contato com muitos atletas e até conheci o vice-presidente do Comitê Paralímpico. Foi quando me envolvi mais com a parte de edição de vídeo. Até então, eu atuava mais na captação. Passei a receber materiais, editar e, nesse processo, aprendi muito. Considero esse um dos estágios mais importantes da minha trajetória.
Penso que, se não tivesse participado desse primeiro projeto já no início da faculdade, teria perdido muitas oportunidades. No primeiro ano eu era muito tímida, tinha vergonha de tudo. Lembro de falar para um colega, o Hudson: “Se você for, eu vou também.” O Michael também acabou indo. Acho que aceitaram mais por eu ter insistido. No fim, fomos juntos — e estamos aí até hoje.
CHL: Como foi a transição do meio acadêmico para o meio profissional?
Lara Guimarães:
A transição aconteceu de forma muito natural. Depois daquele primeiro projeto, alguns professores da UFG que estavam envolvidos começaram a nos chamar para trabalhos posteriores, já como contratantes, para cobrir eventos e produzir materiais. A partir disso, criamos contatos que mantenho até hoje.
O estágio no Crialab|UEG também foi fundamental. Ter contato com professores abriu portas importantes. Inclusive, minha entrada na área de comunicação do Judiciário surgiu de uma indicação feita por um professor.
No Crialab|UEG, a experiência foi ampla: edição, programas de rádio — que eu adorava produzir — e, na época, havia uma parceria com a TBC, o que me permitiu conhecer de perto a estrutura de uma emissora de TV. Lá aprendemos a realizar transmissões ao vivo, a lidar com produção, comunicação e resolução de demandas em tempo real.
Além disso, participei de diversos projetos. Um deles foi em escolas, por meio do qual tive contato com o pessoal do Favera. A partir das oficinas, comecei a dar aulas para crianças. Não imaginava que gostaria tanto dessa experiência, mas todo ano eles me chamam e eu volto com prazer.
O Crialab também abriu espaço para muitas outras vivências: conquistamos um prêmio na Conbrascom, tive a oportunidade de estagiar em um gabinete da Assembleia, onde aprendi a lidar com prazos curtos e entregas rápidas, e participei de ações junto ao FICA, entre várias outras iniciativas. Foi um período muito intenso e rico em experiências.
CHL: Você participou do programa de rádio no Crialab? E de TV?
Lara Guimarães:
Sim. Eu tinha um programa na rádio chamado Pop Mix. Inclusive, pedi recentemente ao Laércio que me enviasse as vinhetas para guardar. Lá precisei aprender bastante. Havia técnicos de som profissionais que nos orientavam, explicando como postar a voz no rádio, e depois editávamos, incluindo efeitos. Assim, tive contato direto com programas de edição de áudio.
Era muito divertido. Como se tratava de uma rádio universitária online, não tínhamos muitos ouvintes, mas, quando apareciam, ficávamos empolgados no estúdio, gravando.
Na UEG TV também participei. Lembrei agora de uma série que produzimos, chamada Cursos da UEG. Apenas um episódio foi finalizado, mas eu era a apresentadora. O programa se chamava Teste Vocacional. Foi uma experiência diferente e até que ficou bom. Deve estar nos arquivos, provavelmente até no YouTube. Além disso, fizemos uma live sobre o Oscar, na qual também apresentei. Foi um aprendizado enorme,
CHL: E como é essa sua experiência no Judiciário?
Lara Guimarães:
Logo de início, por meio de uma indicação, consegui um estágio na Assembleia. Era época de pandemia, então trabalhava em home office, focada mais na edição. Foi onde aprendi a agilizar processos, já que no meio político tudo é para “ontem”. Além disso, tive de me adaptar à rotina em casa e aprender a me organizar.
Quando esse estágio terminou, voltei ao Crialab, onde atuei como estagiária no programa Sua Saúde. Fiquei responsável pelas vinhetas, transições e efeitos, e foi quando me aprofundei em programas de edição como o After Effects.
No meio da faculdade, tive também uma experiência como CLT, ainda na pandemia, no Instituto Goiano de Direito (IGD). Foi meu primeiro contato direto com o pessoal do Direito. Depois, já no fim da graduação, uma professora perguntou se poderia me indicar para uma vaga no Tribunal de Justiça, que buscava montar uma equipe de audiovisual. Até então, o setor tinha mais foco em jornalismo e fotografia. Com a pandemia, cresceu a demanda por audiovisual, e fui contratada como cinegrafista. Minhas funções incluíam fotografia, filmagem, participação na criação de roteiros e edição de materiais.
Essa experiência me surpreendeu positivamente. Eu não imaginava gostar tanto de trabalhar no Judiciário. Tanto no Tribunal quanto na Defensoria, onde estou atualmente, há muito contato com pessoas, o que me enriquece pessoal e profissionalmente. São trabalhos que me fizeram crescer de formas que não esperava.
Um dos momentos mais marcantes foi acompanhar um projeto junto à comunidade Kalunga. Viajamos para cobrir a Festa do Império, que acontece anualmente em uma cidade que permanece praticamente deserta durante o resto do ano. Nessa semana de festividades, as comunidades do Vão das Almas, Vão do Moleque e até moradores de Cavalcante se reúnem, celebrando com rituais religiosos e festas tradicionais.
Foi uma experiência única, proporcionada pelo meu trabalho. Pude conhecer realidades distintas, registrar histórias e mostrar a transformação que essas ações do Judiciário trazem para a vida das pessoas.
CHL: O que você diria para os meninos e meninas que estão entrando agora no curso, ou que pretendem entrar, a partir da sua trajetória?
Lara Guimarães:
Eu diria para aproveitarem muito o tempo da faculdade, buscando contato com todas as áreas possíveis. Mesmo que seja uma disciplina que não desperte tanto interesse no início — como uma matéria de som, em que é preciso gravar, editar, etc. — é importante se dedicar, porque pode ser justamente aí que a pessoa se encontra. Tenho vários colegas que descobriram suas áreas de atuação em disciplinas que, a princípio, não chamavam a atenção.
Além de aproveitar as matérias, é fundamental realizar trabalhos que possam ser inscritos em festivais. Vi colegas que, ainda na graduação, tiveram filmes selecionados para festivais internacionais, inclusive na África. Não são casos isolados: isso acontece com frequência.
Outra dica é participar dos estágios e projetos de extensão. Quando os professores chamarem, aceitem o convite. No meu primeiro ano isso já aconteceu, e tive a chance de conhecer muitos lugares. Também participei do Cineclube Laranjeiras, da própria UEG, desde o primeiro ano. Foi uma experiência muito rica: organizávamos sessões temáticas, convidávamos alunos de escolas do bairro, fazíamos pipoca, discutíamos os filmes com as crianças. Participei inclusive do aniversário de 10 anos do cineclube, e foi uma atividade que me marcou muito.
A faculdade deve ser encarada como um laboratório. É o momento de experimentar diferentes áreas e, assim, se encontrar. Isso facilita muito a vida depois de formado, pois já se tem uma noção mais clara dos caminhos a seguir. Além disso, é durante a graduação que fazemos contatos importantes. Esse networking precisa começar desde o início do curso.
Se pudesse voltar atrás, acho que teria me dedicado mais na parte acadêmica, principalmente às leituras. Tento compensar isso hoje. Ainda assim, sou muito feliz com minha trajetória e não me vejo em outra área. Sinto que me encontrei.
Meu Trabalho de Conclusão de Curso também foi uma experiência muito especial. O processo não foi difícil, principalmente porque tive o suporte da professora Ana Paula e das docentes da banca. No dia da apresentação, chorei muito — e todos se emocionaram comigo. O material produzido foi bem recebido, e apresentei na Intercom. Não concorri oficialmente porque inscrevi na categoria errada, mas a experiência valeu muito.
Meu TCC foi uma fotonovela sobre o Romãozinho. Quis resgatar essa mídia considerada antiga, mas adaptada ao formato digital, e ao mesmo tempo valorizar esse personagem do folclore regional, pouco conhecido. Sempre gostei de fotografia e vi na fotonovela uma forma de unir minhas paixões.
Descobri o Romãozinho ainda criança, em uma visita a um museu em Goiânia. Recebi um caderninho chamado Saci e Romãozinho apresentam a Goiânia. Desde então fiquei intrigada, porque quase não havia registros sobre ele. Pesquisava no Google e não encontrava informações. Durante o curso, aproveitei trabalhos de roteiro para trazer esse personagem, até conseguir inseri-lo no TCC.
O Romãozinho é uma figura do folclore goiano, considerado uma espécie de primo do Saci. Em algumas regiões do Brasil aparece com outros nomes, mas sempre como um personagem travesso — alguns até dizem que ele é mais maldoso que o Saci.
Esse trabalho me deixou muito realizada e reforçou meu sentimento de pertencimento à área. Tenho grande admiração pelos professores, tanto pelo que fazem em sala de aula quanto pelas pesquisas e projetos acadêmicos e culturais que desenvolvem. Hoje, os vejo também como colegas de profissão, o que é muito gratificante.
(Comunicação Setorial, com informações do CriaLab|UEG)