Degustação Crítica - Mostra Goiana - Panorâmica

13/06/2025

Degustação Crítica 

 

Já se passaram alguns dias e a saudade da experiência FICA 2025 começa a surgir no horizonte. E sabemos que, em quesito de horizontes, a Cidade de Goiás serve uma natureza exuberante, assim como os seus sabores possíveis de serem encontrados por toda a sua extensão, são diversos e não deixa a desejar para ninguém. Pensando nesse contraponto entre as diversas coisas que essa maravilhosa cidade apresenta e ao mesmo tempo na identidade local que elas possuem, nossos críticos desenvolveram três críticas panorâmicas sobre as mostras presentes no evento e convidamos você a fazer essa degustação conosco!

Iniciamos essa degustação com a Mostra Goiana analisada pelos críticos Catarina Lima e Henrique Borges, alunos da Universidade Estadual de Goiás - UEG e do Instituto Federal de Goiás - IFG Cidade de Goiás respectivamente, confira na íntegra o que eles tem a dizer: 

----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

 

Chamada para um olhar atento às narrativas consideradas secundárias
Mostra do Cinema Goiano | FICA (2025)
Por Catarina Lima e Henrique Borges Berbert



A Mostra do Cinema Goiano do FICA 2025 apresentou nove filmes que se conectam a partir de um olhar atento às narrativas que são consideradas secundárias pela sociedade. Enquanto acompanhávamos histórias de mulheres idosas que produzem plantas e ervas medicinais, mulheres que escalam, artistas que enfrentam a dureza da vida e até roqueiros que buscam espaço na cena musical goianiense, nos perguntávamos o que todas essas produções queriam debater, dentro de um festival dedicado ao meio ambiente, no cerrado brasileiro.

A seguir, um destaque para algumas das obras que tiveram (ou deveriam ter) sua devida agnição na premiação de mostras competitivas goianas:

Uma bela visita ao que é ser e crescer mulher, em uma subida ao topo do reconhecimento (Rocha, Substantivo Feminino). Crescer na época da cena underground do rock and roll em Goiânia (Goiânia Rock City). O sofrimento e agonia da insônia causada pela rotina trabalhosa (Entressonho). O milagroso carinho e a luta por sua comunidade e filhos através dos frutos que a terra dá, em meio ao mundo cruel (Planta de Raiz Profunda). A legitima alegria de viver e manter a libido elevada após alcançar a terceira idade e o lidar com o luto (Fidéle). A experiência de conviver com Jr Marvin em Goiânia e aprender, buscar e se reconhecer através da música.

Apesar de não premiado, o documentário Tingui elucida o espectador sobre o que é educar vidas através da sabedoria ancestral e raízes do cerrado. A obra demonstra um formato esplendido para demonstrar uma história de amor, esforço e aprendizado. A montagem usa muito da voz-off para nos carregar por imagens de trabalho e entrevistas, nos conectando organicamente por uma caminhada suave entre os ensinamentos da roça. Vemos em tela o trabalho de Dona Flor enquanto também ouvimos o tom de um violão extradiegético que cativa a vivência no mato. E além disso, a obra incita que a pobreza afeta a alma, mas a bondade, sobrepuja as dificuldades e supera as dores em prol do próximo. As diretoras Nalu Mendes, Natália Vitral e a roteirista Alejandra Tarin, merecem reconhecimento.

Dentre tudo que foi apresentado nesses três dias de sessão, podemos destacar Mambembe, dirigido por Fabio Meira. Um documentário esplêndido sobre a beleza do que não é visto a olho nu, o discreto. Um filme sobre a vida através do olhar circense, que aprecia os detalhes e enaltece o que a maioria das pessoas se recusam a ver, mas está ali o tempo inteiro. Um filme sobre traição e superação. Um divertimento trágico que diz “estamos aqui, estamos vivos”. O filme foi premiado como melhor montagem e melhor direção de longa-metragem. Com uma montagem um pouco confusa que busca nos incomodar, mas agrada.

Nem tudo é um mar de rosas. O longa-metragem Planta, Raíz Profunda, dirigido por Elisa Di Garcia e Marilia da Silva, possui um formato cansativo. Planos muito longos que não destacam o protagonismo da personagem, deixando a obra mais maçante e repetitiva. Apesar de abordar temas belos como “o olhar para os outros”, o bom e o mal, que o solo cultiva a vida, os ensinamentos do tempo, trata-se de um filme desnecessariamente longo e que pode ser melhorado. Vale lembrar que se trata de um documentário e que este filme ganhou o prêmio de melhor atuação, no festival.

Produzir cinema fora do eixo Rio-São Paulo significa buscar por alternativas financeiras, artísticas e logísticas para criação de produtos audiovisuais que deem certo em todos os sentidos, desde a pré-produção até a divulgação nas salas de cinema. E é justamente na etapa de divulgação que os festivais ganham um valor inestimável para os realizadores, já que premiam seus filmes com reconhecimento, relevância e divulgação, que é o maior desejo de qualquer artista que quer ser conhecido.

Enquanto goianos e/ou moradores de Goiás, precisamos pensar quais histórias queremos contar e porquê essas histórias precisam ser feitas aqui. Será que elas serão cativantes? Será que vão conseguir entregar a mensagem necessária?

Todos os realizadores conseguiram atingir um objetivo em comum: trazer luz às narrativas de vida a partir de uma abordagem específica e que tem muito a ver com a nossa história, enquanto estado multiétnico e plural em histórias culturais de povos marginalizados à líderes poderosos e autoritários.

Com a responsabilidade de carregar o nome do estado e de toda uma cultura diversa, a Mostra do Cinema Goiano conseguiu debater três principais temas a partir das três sessões, mas criou discussões que vão muito além dos filmes e criam perguntas que possivelmente ainda não têm resposta.

Os filmes conseguiram, ainda, trazer debates políticos e sociais com uma preocupação majoritária em representar o território goiano, seja na grande capital, como nos interiores, que contam histórias que são muitas vezes invisibilizadas. Nesse aspecto, todas as produções conseguiram se alinhar com o meio-ambiente trazendo narrativas que se entremeiam pela natureza das plantas, da mente humana, da arte, da sociedade e das pessoas.

O cotidiano como narrativa

Na sessão 3 da mostra, conhecemos três histórias que falam sobre o cotidiano goiano, seja na relação a dois e na família, como é mostrado no curta-metragem Mulher Esqueleto, ou na relação com a arte, neste caso com a música, no curta Jamming - O ano em que Junior Marvin morou em Goiânia e Goiânia Rock City, um longa-metragem que aborda a importância da cena roqueira na cultura goianiense e na massificação de outros eventos musicais na capital.

Na segunda sessão, o fio condutor dos três filmes estava no desejo de encontrar um lugar no mundo e de se conhecer, mesmo diante das dificuldades emocionais, etárias ou sociais. Já na primeira sessão, os três filmes apresentam mulheres fortes, que se encontram habitando sua própria civilização nos espaços sociais que lhes conferem força, sabedoria e protagonismo.

Dessa forma, a mostra goiana conseguiu abarcar temas que são típicos do centro do Brasil, histórias de abandono, de luta, força, resistência e solidão, que combinam com o aspecto interiorano e único do centro-oeste, mas ao mesmo tempo potente, trazendo força na sua mescla de religiões, cores, sabores e etnias.

A mostra propõe um olhar entre o passado, presente e futuro, nos convidando a nos colocar em uma posição de questionamento e perturbação. Afinal, onde estamos e para onde vamos?

Por fim, vemos aqui um chamado para olhar o tempo e o que é exigido agora. Visitando o estado de Goiás através de olhares que nos motivam a enxergar o mais íntimo do que significa viver no centro-oeste.

Para mais informações e acesso a algumas das obras citadas, visite o site do evento FICA - Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental ( https://fica.go.gov.br/ )

 
SINOPSES: 

LONGAS-METRAGENS

Goiânia Rock City (Documentário | 2025 | 102 min. Direção: Theo Farah)
O filme Goiânia Rock City trata de um dos períodos mais promissores da cena alternativa goianiense, um momento de crescimento, visibilidade e maturidade de bandas, eventos – pequenos, médios e grandes – e público, resultando na promoção de espaços culturais e casas de show voltadas a esse gênero. Conheça a história que marcou a cidade e apresentou ao público bandas e festivais como Bananada, Goiânia Noise e Vaca Amarela.

Mambembe (Documentário | 2024 | 98 min. Direção: Fabio Meira)
Ruy, um topógrafo solitário, viaja o agreste pernambucano. Sua vida se transforma ao conhecer três mulheres de um circo mambembe, Madrinha, Jéssica e Diadorim. Através da história desses quatro personagens, "Mambembe" trata do acaso ao mesmo tempo em que reflete sobre a construção artística.

Planta de Raiz Profunda (Documentário | 2025 | 78 min. Direção: Elisa Di Garcia e Marilia da Silva)
Francisca vai da horta para casa, da casa para o quintal, colhe, faz mudas, replanta. Faz remédio, envasa, destampando contos de sua vida. Ela já acudiu mulher parindo no meio do mato e na zona, foi merendeira, lavadeira, sustentou e curou os filhos operando milagres. Foi pra luta na cidade, mas vive no meio das plantas, ouve plantas, desabafa com elas. Sabe que é planta também.

CURTAS-METRAGENS

Jamming – O ano em que Junior Marvin morou em Goiânia (Documentário | 2024 | 26min. Direção: Danilo Camilo)
O documentário resgata a inusitada relação entre Goiânia e o guitarrista de Bob Marley. No fim da década de 1990, Marvin elegeu a capital de Goiás para morar e formar uma banda de reggae. Essa história surpreendente é o tema do filme, que combina imagens raras de shows e bastidores da época, com entrevistas, revelando o profundo impacto da vivência do lendário músico jamaicano no panorama cultural da cidade.

Rocha, Substantivo Feminino (Documentário | 2024 | 26 min. Direção: Larissa Corino, Patrícia Meschick)
No rústico cenário de Cocalzinho de Goiás e nas paisagens do cerrado do Parque dos Pireneus, um grupo de experientes mulheres escaladoras compartilha suas vivências com o esporte. O filme retrata histórias inspiradoras de coragem e resistência, mostrando mulheres que escalam além das montanhas. É um testemunho autêntico de como elas redefinem a conquista de picos, abrindo caminho para futuras gerações em busca de diversidade, inclusão e representatividade no esporte.

A Mulher Esqueleto (Ficção | 2024 | 21 min. Direção: Yolanda Barros, Margarida Freire)
Sofia e Jorge vivem momentos de crise. Enquanto esperam a chegada de um capacete, ambos buscam, sozinhos, encontrar prazeres que vão além de suas realidades cotidianas.

Entressonho (Animação | 2025 | 14 min. Direção: Leandro Pimentel)
Desesperado com sua insônia, um homem voltar a sonhar e embarca em uma jornada transcendental em seu inconsciente enquanto experimenta uma nova perspectiva de vida.

Fidèle (Documentário | 2025 | 14 min. Direção: Yorrana Maia)
Após os 60 anos de idade, Rita encontrou uma nova paixão: a escrita. A atividade, que começou como uma terapia para o luto da morte do marido, se tornou uma incrível ferramenta para a descoberta de si própria. O documentário curta-metragem “Fidèle” retrata a história de Rita Aráujo, uma escritora goiana de 92 anos de idade, levantando temas como o envelhecimento, o preconceito e a sexualidade.

Tingui (Documentário | 2025 | 25 min. Direção: Nalu Mendes, Natália Vitral)
"Tingui" é um documentário que nos leva ao coração da comunidade quilombola do Moinho, onde a mestra Dona Flor compartilhou ao longo de sua vida sua sabedoria ancestral sobre as plantas medicinais. Desde a infância, Dona Flor possui uma profunda conexão com a natureza. Conhecedora dos mistérios das ervas, foi uma renomada raizeira e parteira da região da Chapada dos Veadeiros. O curta-metragem não é somente uma aula sobre a feitura do tradicional sabão de Tingui, mas uma homenagem à vida de Dona Flor e sua contribuição inestimável para a sua comunidade.


RESIDENCIACATARINA_DA_ROCHA_LIMA  RESIDENCIAHENRIQUE_IFG_CIDADE_DE_GOIAS

----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

 

A Degustação Crítica integra a Residência de Crítica Cinematográfica é parte de uma iniciativa que visa ampliar os espaços de formação e circulação da crítica no Brasil Central, incentivando o olhar autoral e analítico de novos críticos em diálogo com uma das mais importantes vitrines do cinema ambiental no país. A produção textual dos residentes é feita sob coordenação e orientação do professor do Instituto Federal goiano da cidade de Goiás, Estevão de Pinho Garcia, com auxílio em monitoria do aluno de cinema da Universidade Estadual de Goiás, Antonio Ribeiro.
O Encontro das Escolas de Cinema e Audiovisual do Brasil Central conta com o financiamento da Secretaria de Estado da Cultura de Goiás (Secult - Go) e da Universidade Estadual de Goiás (UEG), além do apoio executivo da Universidade Federal de Goiás (UFG) e da Fundação RTVE. O evento tem sido transmitido pelo CriaLab - UEG, a UEG TV e a Radio UEG Educativa.