Degustação Crítica - Mostra Goiana - Sessão 02

12/06/2025

Degustação Crítica 

 

O 26° FICA se encerra nesta noite do dia 15, algumas pessoas já saíram da cidade, outras decidiram ficar um pouquinho mais e curtir os agitos que ainda acontecem pelos pontos disponíveis. Mas para isso, é necessário dar aquela alimentada para manter a energia no mais alto nível, não é mesmo? Então escolha seu estabelecimento preferido, peça a última refeição da noite e enquanto espera o preparo, dê uma lida em mais uma leva de críticas sobre as amostras que aconteceram ao longo da semana. Hoje serão duas, para não faltar uma entrada e nem uma sobremesa no cardápio.
Repetindo a dobradinha de antes, os críticos Catarina Lima e Henrique Borges, alunos da Universidade Estadual de Goiás - UEG e do Instituto Federal de Goiás - IFG Cidade de Goiás respectivamente, estiveram presentes na Mostra Goiana em sua sessão 02,  venha ler na íntegra os pontos de de debate sobre o que lhes foram servidos:

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O revigorante alívio trágico e a busca por um lugar no mundo
Mostra do Cinema Goiano - Sessão 2
Por Catarina Lima e Henrique Borges Berbert

 

Em Entressonho, primeiro filme apresentado na sessão, o protagonista busca se curar de um sofrimento psíquico e procura tentativas de alívio emocional no seu dia a dia por meio de atividades que o distraem, como prática de yoga, acupuntura e atividades físicas.
O filme tem poucos diálogos entre os personagens mas possui uma potência imagética, que se manifesta por meio dos traços autorais de Leandro Pimentel, que expressa desenhos fantasiosos e com personalidade, bem diferentes dos desenhos habituais que são vistos no mercado cinematográfico de animação.
No momento atual, tem sido cada vez mais comum o desenvolvimento de transtornos emocionais e doenças mentais, devido a alta demanda de trabalho e a aceleração do ritmo de vida, em virtude da massificação da internet e das redes sociais.
O personagem, por meio de seus sonhos, consegue se conectar com a profundidade de si mesmo e encontra alívio, mesmo diante de um período de sofrimento psíquico, quando percebe que o processo de auto-cuidado e organização da própria vida é lento e caminha por diversos aspectos, não somente pela intervenção psiquiátrica mas, sobretudo, por um tratamento que busca múltiplas alternativas de cura.
Em Fidéle, por outro lado, Rita é uma mulher de 92 anos, que já viveu de tudo um pouco. Colecionando boas memórias e muitas experiências, mesmo no fim da vida, Rita ainda se permite sonhar e criar objetivos.
A determinação de Rita inspira os jovens que pensam que é tarde demais para tentar algo novo e se reinventar, já que ela, mesmo com a idade avançada, gosta de se arrumar, escrever, estudar e percebe que a libido é muito mais que um desejo sexual, mas sim, o prazer pela vida e pelo ato de viver e descobrir algo novo a cada dia.
Os filmes exibidos se relacionam a partir do aspecto da identidade humana no mundo. Afinal, quem somos? O que buscamos? O que nos move e o que queremos para nossa vida?
O protagonista de Entressonho buscava se curar de um sofrimento psíquico e encontrar sentido e tranquilidade na sua vida, enquanto Rita queria continuar se descobrindo, mesmo com uma idade avançada.
Em Mambembe, último filme da sessão, os personagens caminham entre o belo e o trágico, sempre buscando se expressar por meio da arte, mas, ao mesmo tempo, precisam lidar com a realidade nada doce da vida, enfrentando homofobia, problemas familiares e escassez de dinheiro.

A ardil palhaçada vívida

É extremamente difícil definir a arte que te toca. A arte que te motiva. Em tela, durante a experiência de Mambembe, dirigido por Fábio Meira e escrito juntamente com Susana Barriga, podemos ver verdades desordenadas, feitas cinematicamente para que possamos elogiá-las e questioná-las. Afinal a obra humilha, zomba, enaltece e abraça a existência como um cenário do nosso mundo repleto de dor e alegria. Um circo que unifica e separa vidas através da arte.
O título Mambembe remete a um grupo de atores ambulantes que realizam espetáculos de baixa categoria. Por vezes chamando a si mesmos como “cirquinho”.
Somos trucidados, positivamente, pela experiência documental através do olhar de três personagens, e ficcionalmente através de um quarto personagem. O reflexo da vida real e a beleza do trágico é transferido ao espectador pela montagem, que nos confunde com métodos documentais e ficcionais.
A brincadeira que a obra faz com a câmera, nos levando de entrevistas para a parte ficcional com cortes bruscos, nos embaralha. As personagens entrevistadas também atuam na parte ficcional do filme, nos fazendo raciocinar o que é documental e o que é lúdico.
Em certo ponto, nos questionamos sobre como foi o planejamento e decupagem da obra. Vale lembrar que a obra tomou dez anos para ser concluída, e traz à tona o questionamento sobre o que é vida real, o que é atuação, a relação do tempo e a mudança. Isso me insere uma questão: O que é bom cinema?
Existem várias possibilidades de analisar a obra, porém, como só filme, ela se torna exímia. O puro suco do absurdo bagunçado e frutado pelas relações artísticas e sociais em meio ao símbolo que foi o circo anos atrás. Uma mistura do lúdico e o real que fomenta o coração através da dor de ser, o desejo de crescer e o finito tempo que torna toda essa experiência em algo tragicamente lindo.
O glamour circense, o esforço pelo entretenimento, o brega, a palhaçada e o constrangimento aconchegante nos prendem de forma quase hipnótica. As relações desorganizadas nos convidam a olharmos para nossas próprias vidas.
A passionalidade da ficção usada na obra, retrata uma história sobre roubar os direitos de quem foi traído, o desejo árduo de vingança, e a humanidade que é perdoar e amar até certo ponto. É triste e acontece com frequência. A tomada de sua sanidade devido á irresponsabilidade afetiva. Em cenas que o personagem Ruy, o topógrafo, aprece vemos representação do machismo passivo e perigoso.
Além de tudo, vale ressaltar o tema do machismo que está presente em todas as obras reproduzidas na mostra do cinema goiano. É sempre bom ressaltar que a luta contra o patriarcado cruel acontece o tempo todo por mulheres e a comunidade LGBTQIAPN+ mas a sociedade se recusa a ver, e agora, representado em tela, vocês conseguem enxergar?
As três obras da sessão do dia (12/06) nos convidam a olhar para os problemas e situações que muitas pessoas passaram e passam todos os dias, sem poder de resolução e gritando para serem enxergadas. Sempre em busca de um lugar de pertencimento em meio a guerra que é ser humano. Em Fidèle, vemos a vitalização da sexualidade em idade avançada que pode ser mal interpretado. Em Entressonho, vemos a dor da insônia causada pelo marasmo ou pela rotina tediosa e em Mambembe, a ânsia de ser e crescer em tempos de traição e pertencimento que só a arte pode salvar.

Sinopses:

ENTRESSONHO (Animação |2025 | 14 minutos. Direção e roteiro: Leandro Pimentel)
Desesperado com sua insônia, um homem volta a sonhar e embarca em uma jornada transcendental em seu inconsciente enquanto experimenta uma nova perspectiva de vida.

FIDÉLE (Documentário: | 2025 | 14 min. Direção: Yorrana Maia)
Após os 60 anos de idade, Rita encontrou uma nova paixão: a escrita. A atividade, que começou como uma terapia para o luto da morte do marido, se tornou uma incrível ferramenta para a descoberta de si própria. O documentário curta-metragem “Fidèle” retrata a história de Rita Aráujo, uma escritora goiana de 92 anos de idade, levantando temas como o envelhecimento, o preconceito e a sexualidade.

MAMBEMBE (Documentário: | 2024 | 98 min. Direção: Fábio Meira)
Ruy, um topógrafo solitário, viaja o agreste pernambucano. Sua vida se transforma ao conhecer três mulheres de um circo Mambembe, Madrinha, Jéssica e Diadorim. Através da história desses quatro personagens, "Mambembe" trata do acaso ao mesmo tempo em que reflete sobre a construção artística.

 

RESIDENCIACATARINA_DA_ROCHA_LIMA  RESIDENCIAHENRIQUE_IFG_CIDADE_DE_GOIAS



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A Degustação Crítica integra a Residência de Crítica Cinematográfica é parte de uma iniciativa que visa ampliar os espaços de formação e circulação da crítica no Brasil Central, incentivando o olhar autoral e analítico de novos críticos em diálogo com uma das mais importantes vitrines do cinema ambiental no país. A produção textual dos residentes é feita sob coordenação e orientação do professor do Instituto Federal goiano da cidade de Goiás, Estevão de Pinho Garcia, com auxílio em monitoria do aluno de cinema da Universidade Estadual de Goiás, Antonio Ribeiro.
O Encontro das Escolas de Cinema e Audiovisual do Brasil Central conta com o financiamento da Secretaria de Estado da Cultura de Goiás (Secult - Go) e da Universidade Estadual de Goiás (UEG), além do apoio executivo da Universidade Federal de Goiás (UFG) e da Fundação RTVE. O evento tem sido transmitido pelo CriaLab - UEG, a UEG TV e a Radio UEG Educativa.