Para os escritórios de Compliance, a ética vai muito além de um manual de regras. É um guia para a conduta diária e um mapa para uma gestão pública genuinamente íntegra.
No centro de um programa de compliance robusto, reside um elemento que muitas vezes é mal compreendido: a ética pública.
Longe de ser uma disciplina teórica ou um mero conjunto de documentos guardados em uma gaveta, a ética é o alicerce vivo que sustenta a confiança da sociedade e impulsiona a eficiência da máquina pública.
Para nós, que atuamos nos escritórios de Compliance, entender seu papel é crucial para ir além da conformidade e construir uma verdadeira cultura de integridade.
No dia a dia do serviço público, somos guiados por regras, em linhas gerais, claras e bem definidas.
Normas como a Lei Estadual nº 20.756/2020, o Estatuto do Servidor Público Civil de Goiás, são o nosso ponto de partida. Elas funcionam como limites, indicando “o que” devemos fazer e o que não podemos fazer.
Normas são essenciais no serviço público porque elas ajudam a garantir a ordem e a responsabilidade em nossa atuação. A conformidade com essas normas é a base inegociável do nosso trabalho.
No entanto, a realidade é dinâmica e, muitas vezes, as leis não oferecem todas as respostas para as situações complexas que surgem. É nesse cenário que a ética se revela como uma orientação prática para a decisão e ação do funcionalismo público.
A ética nos convida a ir além do simples “seguir a regra”.
Os princípios da ética podem mudar a gestão da coisa pública
Pense nos princípios expressos na Constituição Federal, como Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência (o famoso “LIMPE”).
Eles não são apenas palavras em um texto legal; são critérios ativos que nos ajudam a tomar decisões.
O princípio da Publicidade, por exemplo, é o fundamento de todas as ações que impulsionam a transparência no Estado de Goiás e mudaram o jeito como todos os órgãos e entidades do Poder Executivo divulgam suas informações.
Mas não apenas estes os princípios da ética pública! Justiça, equidade, predomínio do interesse público também ajudam o servidor a guiar sua conduta e tomar as melhores decisões visando o bem comum.
O Código de Ética do Estado de Goiás
Em Goiás, o nosso Código de Ética (Decreto nº 9.837/2021) reforça essa visão de princípios e valores que orientam a conduta e as tomadas de decisão.
Os valores fundamentais do Estado estão focados na predominância do interesse público, no uso correto dos recursos para atender a finalidade das políticas públicas e a promoção da confiança nas relações de trabalho.
Acesse o Código de Ética clicando aqui!
Ao entender o “porquê” por trás dessas diretrizes, e não apenas o “o quê”, a ética se torna uma bússola interna, orientando cada escolha para o melhor interesse do cidadão.
A jornada para construir uma cultura de integridade não é livre de obstáculos, e muitos deles atuam de forma silenciosa, quase imperceptível.
Condutas antiéticas raramente nascem do nada; elas são, frequentemente, sintomas de uma gestão fragilizada, da falta de engajamento dos servidores, de uma liderança descompromissada e mesmo de uma cultura organizacional que, sem querer, pode criar brechas para os desvios éticos.
Em nossas capacitações, costumamos listar os grandes desafios da construção de uma cultura ética nas organizações públicas. Basicamente, são pontos de atenção para a atuação de um escritório de compliance, principalmente na gestão de riscos e na implementação de ferramentas de governança.
Excesso e complexidade normativa
Quando a proliferação de regras e a burocracia excessiva levam à chamada “fadiga regulatória”, esse excesso de normas, regras, processos complexos podem fazer os servidores se sentirem sobrecarregados.
Muitos passam a focar apenas no cumprimento formal dessas normas e, por vezes, buscam atalhos, os famosos “jeitinhos”, para que o trabalho avance, em vez de seguir a determinação da norma.
Falta de comprometimento da Liderança
Quando a liderança não está comprometida com a organização, é comum que ela declare seu apoio à ética e ao compliance, mas essa mensagem nem sempre se traduz em ações concretas em todos os níveis.
Se a liderança não estiver engajada ou não servir de exemplo, a cultura de integridade pode ser vista como mera formalidade, perdendo força na base. E isso envolve não apenas a alta gestão, mas também a liderança intermediária, que lida diretamente com o servidor que está na implementação da política pública ou na prestação do serviço público.
Normalização de pequenos desvios
Se a organização tolera pequenas infrações ou lida com os chamados “erros aceitáveis”, como o uso indevido de recursos públicos, isso pode criar um ambiente permissivo.
Quando desvios menores não são corrigidos de forma consistente, a percepção de que “não há problema” pode levar à escalada para infrações mais graves. A correção destes desvios muitas vezes não se dá com punição, mas com ajustes no fluxo ou no ambiente de trabalho.
Cultura do Silêncio
Em ambientes onde há falta de confiança ou temor de retaliação, servidores podem hesitar em reportar irregularidades, desvios éticos ou até mesmo casos de assédio.
A ausência de canais seguros, de um clima onde se possa falar abertamente sobre problemas ou a percepção de que as denúncias não são levadas a sério mina a transparência.
Comunicação fragmentada ou ineficaz
Quando a comunicação sobre ética e compliance é formal demais, unilateral ou pouco clara, falha em engajar os servidores. Discursos genéricos e a falta de diálogo impedem que os princípios e valores sejam verdadeiramente internalizados e aplicados na prática.
Modelos de capacitação desconectados da realidade
Treinamentos que são apenas protocolares, focados em conteúdo teórico descolado dos desafios reais do dia a dia do servidor, não geram mudança de comportamento. A ênfase no “certificado” em vez do efetivo desenvolvimento de habilidades e competências limita a capacidade do servidor de lidar com dilemas complexos.
Resistência à mudança cultural
Transformar uma cultura organizacional existente, especialmente em grandes estruturas como o serviço público, é um processo demorado e complexo. A inércia, o apego ao “sempre foi assim” e a resistência a novas formas de trabalho podem dificultar a implementação de práticas éticas mais robustas.
Conflito entre valores pessoais e institucionais
Servidores podem, ocasionalmente, enfrentar situações em que seus valores pessoais ou crenças se chocam com os princípios e regras da administração pública. Lidar com esses dilemas exige suporte institucional e clareza sobre a primazia do interesse público.
Visão limitada do propósito da organização
Quando o foco se restringe apenas às tarefas operacionais, o servidor pode perder a conexão com o propósito maior do seu trabalho. A falta de compreensão de como sua atuação individual contribui para o bem-estar da sociedade pode levar ao desengajamento e à diminuição do zelo ético.
Insegurança na tomada de decisão ética
Mesmo com boas intenções, o servidor pode se sentir paralisado diante de um dilema ético, sem saber qual o caminho mais íntegro a seguir, especialmente quando as regras não são claras ou há pressão para se decidir de uma determinada maneira.
O medo de errar ou de sofrer consequências por uma interpretação equivocada pode levar à inação ou a decisões equivocadas e prejudiciais para o cidadão e administração pública.
Perceba que cada desafio já traz, de certa forma, a chave para a solução do desafio. O que precisa ser feito não é a grande questão, mas o como fazer.
Descomplicar normas e desburocratizar
O compliance deve atuar para simplificar e desburocratizar sempre que possível, traduzindo as normas complexas em diretrizes claras e acessíveis. A comunicação deve focar não apenas na letra da lei, mas no propósito e no valor de cada regra para o serviço público, sempre fazendo prevalecer o interesse público e o bem comum.
Promover lideranças Engajadas e Coerentes
É fundamental capacitar e envolver ativamente as lideranças em todos os níveis. O Compliance pode desenvolver programas para que a alta gestão seja um exemplo visível e para que os gestores intermediários traduzam a mensagem da ética para o dia a dia das equipes.
Atuar na correção educativa dos pequenos desvios
Ao invés de ignorar, o Compliance deve implementar estratégias para orientar e corrigir pequenos desvios de forma consistente, com foco em ações educativas e preventivas.
Ajustes nos processos, feedback construtivo, abertura ao diálogo e o reforço da cultura da probidade podem evitar que condutas menores escalem para desvios mais graves.
Fortalecer a cultura do diálogo
Os canais de denúncia devem ser divulgados e percebidos como seguros e eficazes, garantindo proteção contra retaliações. O Compliance deve promover um ambiente de confiança, incentivando a conversa aberta e transparente, por meio de uma comunicação eficiente, espaços de diálogo e o compromisso de que todas as preocupações serão acolhidas e investigadas de forma justa.
Construir uma comunicação ética ativa e bidirecional
A comunicação sobre ética e compliance precisa ser contínua, estratégica e envolvente. Ir além de comunicados formais, criando materiais didáticos, campanhas e espaços de debate que realmente ressoem com os servidores, estimulando a troca de ideias e a internalização dos valores.
Redesenhar capacitações com foco em habilidades práticas
O Compliance deve impulsionar modelos de treinamento que sejam práticos e interativos. Isso inclui estudos de caso reais na pasta, debates sobre dilemas éticos cotidianos e atividades que desenvolvam o raciocínio crítico, a empatia e a tomada de decisão responsável.
As capacitações não podem ser formais. Devem estar focadas em preparar o servidor para enfrentar a complexidade da realidade.
Liderar a mudança cultural de forma gradual, participativa e contínua
A transformação da cultura organizacional deve ser encarada como um processo contínuo.
O Compliance pode atuar como um facilitador, envolvendo os servidores na construção de soluções, celebrando pequenas vitórias e mostrando os benefícios concretos da integridade para o dia a dia do trabalho e para a sociedade, superando a inércia.
Oferecer suporte na resolução de dilemas do dia a dia
Quando há conflitos entre valores pessoais e institucionais, o Compliance, em parceria com os comitês de ética, deve oferecer orientação e ferramentas de análise ética. Criar um ambiente onde o servidor se sinta seguro para buscar aconselhamento e reforçar, constantemente, a primazia do interesse público nas decisões.
Conectar o servidor ao propósito da organização
É essencial que o Compliance promova o entendimento do propósito maior da atuação de cada servidor dentro da organização. Campanhas e iniciativas que demonstrem como o trabalho individual contribui diretamente para o bem-estar da sociedade e para a missão da organização podem resgatar o engajamento e o zelo ético.
Fomentar um ambiente de aprendizado e apoio à decisão ética
O Compliance deve criar um ambiente onde a tomada de decisão ética seja vista como uma habilidade a ser desenvolvida, não como um teste punitivo. Isso inclui o fornecimento de modelos de tomada de decisão, o incentivo à busca por conselhos em situações complexas e a valorização da análise cuidadosa, minimizando o medo de errar e a inação.
A ética é vital para qualquer organização pública
O eixo da ética no Programa de Compliance Público é a força que impulsiona um serviço público íntegro e de excelência. Ela não é um ideal distante, mas o meio essencial para construir uma administração transparente e, acima de tudo, digna da confiança do cidadão goiano.
Para aqueles que atuam no Compliance, o chamado é claro: ser os agentes transformadores dessa cultura.
Nossa missão é ir além do manual, atuando estrategicamente para que a ética se manifeste na prática diária de cada servidor. Ao abraçar essa perspectiva ativa, enfrentaremos, de fato, os desafios da ética e criaremos condições para a construção de uma cultura organizacional cada vez mais ética e efetiva em Goiás.
(Comunicação Setorial UEG | com informações CGE)