Lavoisier tinha um grande interesse pelas ciências, o que o estimulou durante o seu curso universitário a assistir aos cursos de professores conceituados ligados à área de ciências; talvez o direito tenha perdido um bom advogado, mas a química ganhou um de seus mais célebres cientistas
Ronaldo Angelini
Especial para o Portal UEG
Antoine-Laurent Lavoisier nasceu em 26/08/1743 e teve uma educação refinada com forte tendência cientificista.
Ele era um CDF como se diz por aí. Um jovem amigo lhe escrevera, ainda em 1762, preocupado com sua enorme dedicação à ciência: “É melhor ter mais um ano na terra do que cem anos na memória dos homens”.
Com 22 anos passou a ser o postulante mais jovem da condição de adjunto da Academia Real de Ciências. Mas o título de membro só viria três anos depois (1768) com trabalhos sobre a água, “o agente favorito da natureza”. Apesar disto, seu primeiro trabalho publicado foi sobre a gipsita (gesso natural), já que um de seus maiores interesses na época era geologia e o estudo das substâncias minerais.
Nesta época, entrou para um consórcio privado que coletava impostos para o governo e passou a ser inspetor itinerante. Durante suas viagens realizava estudos pelas cidades principalmente com a água. Ele ainda tinha outros negócios que começaram com a fortuna herdada da mãe e seus amigos cientistas temiam que isto, apesar de deixá-lo mais rico, dificultasse seu trabalho. Porém, um matemático objetou: “Melhor pra gente. Os jantares que nos oferecerá serão bem melhores”.
Os contatos e a desenvoltura de Lavoisier dentro do governo cresciam e seu principal laboratório foi instalado no arsenal de armas de Paris em 1775, já que ele passara a exercer o cargo de diretor científico da Administração Real da Pólvora.
Pois bem, a comunidade científica da época acreditava que a água poderia ser transformada em terra, porque a água que evaporava de uma panela deixava sempre para trás um resíduo sólido. Lavoisier demonstrou, com um experimento simples (seguidas destilações num recipiente de vidro fechado), que o resíduo era material que havia se desagregado do próprio vidro, levando literalmente por terra a chamada idéia da transmudação da água (transformação da água em terra).
Mas este não foi o principal experimento de Lavoisier. Como ainda estavam na “protoquímica”, os cientistas acreditavam num tal flogisto, uma substância que existiria em toda matéria que pegava fogo (por exemplo, a madeira era considerada cheia de flogisto e cinzas), incluindo alguns gases que poderiam ser mais “flogisticados” que outros.
Com base na literatura corrente, em especial nos trabalhos de Priestley, que jantara com ele, e Scheele, que lhe mandara uma carta falando de suas descobertas, Lavoisier confirmou que a queima do fósforo deixava a substância mais pesada. Queimando estanho notou que o peso só se alterava quando ele abria o recipiente, isto é, talvez a substância absorvesse algum “tipo de ar” (a palavra gás ainda não empregada). Ao aquecer óxido de mercúrio, Lavoisier notou que este se transformava novamente em mercúrio com perda de parte do peso para um gás respirável.
Desta forma, num sistema fechado, ele aqueceu quase um quilo de mercúrio e viu depois de 10 dias a formação de uma camada vermelha, o óxido, cuja quantidade, coincidia com a redução da quantidade de ar do recipiente. O gás restante apagava uma vela rapidamente. Depois, separando e aquecendo o óxido, fez a operação inversa e retornou o mercúrio ao seu estado inicial, ao mesmo tempo que liberou um gás que permitia que a vela continuasse acesa.
Em 1777 Lavoisier leu seu trabalho para a Academia Real Francesa e pôde aplicar a navalha de Ockham: entre duas hipóteses para explicar algo, escolha a mais simples. Não havia necessidade do flogisto e o gás absorvido ou eliminado recebeu o nome de oxigênio (oxy, em grego significa, ácido). Quando o oxigênio estava totalmente queimado restava o irrespirável e não inflamável nitrogênio, que Lavoisier chamava de azote, uma palavra francesa que significa "impróprio para manter a vida".
Claro que algo mais profundo para a ciência foi lindamente descrito neste experimento: a lei da conservação das massas, ou seja, a matéria pode ser transformada, mas não criada nem destruída, pois a conta do coletor de impostos tem que bater no final.
Por este cargo no governo, por seu título de nobreza e apesar de serviços prestados a ciência e ao povo francês (escreveu um estudo estatístico clássico sobre a economia agrícola do país), foi condenado, junto com outros, pelo Tribunal Revolucionário. Lavoisier ainda tentou protelar a sentença para poder terminar alguns experimentos, mas o juiz respondeu: “A República não precisa de cientistas”. Foi executado no mesmo dia (08/05/1793).
É famosa a frase de seu amigo, o matemático Lagrange, sobre este episódio: “Custou-lhes apenas um instante para cortar aquela cabeça, e cem anos podem não produzir outra igual”. Realmente não produziram, Sr. Lagrange.
Lavoisier estará eternamente na memória dos homens e diferente do que pensara seu amigo em 1762, ele não morrera por causa de sua devoção à ciência, mas justamente por causa daquilo que a ciência combate: a ignorância, a arrogância e a politicagem, que foram disfarçadas na revolução francesa de liberdade, igualdade e fraternidade.
Ronaldo Angelini, é professor da UEG, colunista da Revista Bula.