O II Festival do Cerrado da Universidade Estadual de Goiás (UEG) teve início nesta quarta-feira, 3, na Unidade Universitária de Pirenópolis, e segue até próxima sexta-feira, dia 5, com uma programação que une pesquisa, cultura e saberes tradicionais em torno do tema “Águas, culturas e saberes do Cerrado”. Organizado pelo Programa de Pós-Graduação em Territórios e Expressões Culturais do Cerrado (Teccer|UEG), o festival é realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), por meio do Programa de Apoio a Eventos no País (Paep 2025), ressaltando a vocação da UEG como instituição de referência na produção de conhecimento e na valorização do bioma Cerrado.
Logo pela manhã, a programação teve início com o “Café com conversa”, seguido de exposições artístico-culturais, mostra de projetos e publicações, feira de produtos artesanais e a apresentação do grupo Sambadeiras do Cerrado, que trouxe a força da cultura tradicional para a abertura do evento.
A cerimônia de abertura contou com a presença do reitor da UEG, prof. Antonio Cruvinel; do deputado estadual Antônio Gomide; da coordenadora da Unidade Universitária de Pirenópolis, Patrícia Carvalho Rios; do secretário municipal de Meio Ambiente, Cesar Augusto Feliciano Triers; da coordenadora do PPG Teccer, profa. Divina Aparecida Lunas; e da coordenadora-geral do evento, profa. Poliene dos Santos Bicalho, também do Teccer|UEG. O festival reuniu ainda estudantes de graduação e pós-graduação dos oito câmpus da UEG, além de representantes de povos indígenas, comunidades quilombolas e tradicionais.
Na abertura da programação, a profa. Poliene Bicalho agradeceu o forte envolvimento da comunidade acadêmica na realização do evento, enquanto a profa. Divina Lunas sublinhou o protagonismo discente: “É um evento com estudantes e para estudantes", disse.
Durante a solenidade, o reitor Antonio Cruvinel destacou que a instituição está profundamente conectada às expressões e saberes do Cerrado, reforçando o papel do evento como espaço de reflexão sobre a identidade da comunidade acadêmica e da sociedade goiana. “O Cerrado, para além de um bioma, é composto de vidas, de seres, povos e expressões diferentes. Essas expressões estão aqui hoje sendo discutidas. Discutir o que esse festival propõe é discutir o futuro do Cerrado brasileiro”, afirmou.
Destacou ainda que a UEG é uma universidade do interior, voltada para cuidar das pessoas e reconhecer o Cerrado como algo vivo no cotidiano da população. Segundo ele, a instituição reúne mais de 20 mil pessoas, entre estudantes e servidores, comprometidas com o crescimento em sintonia com a identidade regional e os desafios do futuro. “Essa universidade está inserida em um contexto de expressões e saberes que o Cerrado proporciona. Então, nós temos que entender que estamos discutindo a nós mesmos neste festival", ressaltou.
Palestra de abertura
A palestra de abertura, intitulada “Águas, culturas e saberes do Cerrado”, foi ministrada pelo professor Eguimar Felício Chaveiro, do Instituto de Estudos Socioambientais da Universidade Federal de Goiás (UFG), que desenvolve pesquisas sobre a abordagem territorial do Cerrado há mais de 30 anos. A mediação ficou a cargo do prof. Eliézer Cardoso de Oliveira (Teccer|UEG).
Em sua palestra, Eguimar Chaveiro traçou um histórico da formação do povo e do território, destacando o Cerrado como expressão de um Brasil “agrário modernizado”, situado entre o “triunfo do Produto Interno Bruto” e uma “onda devastadora” provocada por uma hegemonia produtiva predatória.
Segundo ele, compreender o bioma exige reconhecer sua longa trajetória histórica e cultural. “As árvores que se vê, os frutos que se pega, os ecossistemas organizados são produtos de história milenar, mas também de uma formação cultural intensa. E isso, de uma hora para outra, sofre um grande abalo. Então, o processo de uma consciência do Cerrado, a meu ver, supõe entender esses dois contrapontos”, afirmou.
O palestrante ressaltou que, nos últimos anos, há maior atenção ao Cerrado, com avanços em pesquisas, lutas sociais e presença cada vez mais forte nas pautas de movimentos organizados. Para ele, o bioma também se tornou uma “moeda acadêmica muito forte”, sustentada pelo ambientalismo e pelo engajamento da sociedade. “As pessoas que defendem o ambiente, os ecossistemas, o vivente do Cerrado, se interessam porque veem que isso gera efeito na sua saúde, no futuro dos seus filhos, das águas, dos saberes e culturas”, disse.
O convidado, no entanto, alertou para o risco de idealizações em relação ao bioma e à necessidade de compreendê-lo em um contexto. “Fetichizar o Cerrado é imaginar que ele é superior a outros sistemas biogeográficos, como a Floresta Amazônica, o Pampa ou o Pantanal. Todos os sistemas biogeográficos têm seus valores, suas riquezas, suas diversidades, saberes e culturas. Não fetichizá-lo é colocar o Cerrado num significado junto com outros sistemas biogeográficos”, completou.
Participação estudantil
A estudante Maria Rita Dias Rezende, do 4º período de Ciências Biológicas da UEG, apresentou no Festival do Cerrado o projeto Trilha do Tatu, desenvolvido na Reserva Ecológica da UEG, no Câmpus Central de Anápolis, onde atua há dois anos como monitora. Coordenado pelas professoras Mirley Luciene dos Santos, Juliana Simião Ferreira e Hélida Ferreira da Cunha, o projeto integra uma trilha interpretativa de 1.500 metros, que percorre diferentes fitofisionomias até o Córrego Barreiro. A iniciativa aproxima crianças e jovens da biodiversidade do Cerrado, com atividades de educação científica e ambiental, despertando a curiosidade e a consciência para a conservação.
Segundo a estudante, o contato direto com a natureza é enriquecido pelo uso de materiais didáticos diversificados, que vão de sementes e frutos do Cerrado a modelos lúdicos, como animais de pelúcia, destinados às crianças menores. Durante o festival, que Maria Rita participa pela primeira vez, foram apresentadas amostras de insetos conservados, aracnídeos, répteis e elementos da botânica, que permitem abranger diferentes faixas etárias de estudantes atendidos pelo projeto. “É um trabalho que a gente vê a importância e a necessidade de ser feito. Então, a gente acaba se apaixonando e não sai mais”, afirmou Maria Rita, destacando a relevância da atividade na formação de uma consciência socioambiental desde cedo.
Já Ana Claudia Ferreira Braga e Laura Annyelba Macedo de Brito, discentes do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Educação, Linguagens e Tecnologias (PPG-Ielt|UEG), apresentaram o trabalho "Danças do Cerrado: fiando, cantando e dançando - A Ciranda", sob orientação do prof. Dr. João Henrique Suanno. O estudo aborda o papel da ciranda enquanto expressão simbólica e prática cultural do Cerrado, vinculada aos saberes tradicionais, resistência comunitária e sustentabilidade regional e cultural. "A apresentação do trabalho no Festival do Cerrado agregou significamente à minha formação profissional e acadêmica, ampliando a pesquisa científica do mestrado e enriquecendo as práticas pedagógicas na ecologia dos saberes", ressaltou Laura.
Ampliação do festival
Ao longo dos três dias, o Festival do Cerrado contará com palestrantes e conferencistas de diversas instituições brasileiras – como UFMG, Unesp, UFMT, UFT e UnB –, reunindo pesquisadores com experiência em abordagens interdisciplinares e disciplinares sobre o bioma.
A coordenadora-geral do evento, profa. Poliene Bicalho, destacou a importância da ampliação do festival em relação à primeira edição, realizada em 2024, na Unidade de Ciências Socioeconômicas e Humanas – Nelson de Abreu Junior, em Anápolis. Segundo ela, o crescimento foi possível graças ao patrocínio da Capes, obtido a partir da aprovação da UEG no edital Paep 2025. “A primeira edição foi mais singela, mas fundamental para construirmos um histórico e conseguirmos aprovar o Paep, que viabilizou este evento. O primeiro festival teve esse papel essencial”, avaliou.
Programação do primeiro dia
Na parte da tarde, o Festival do Cerrado contou com apresentações de trabalhos organizados em três eixos temáticos: "Dinâmicas territoriais e relações de poder", coordenado pelos professores Glauber Lopes Xavier e Janes Socorro da Luz; "Saberes, sociedade e natureza no Cerrado", sob organização dos professores Fernando Lobo Lemes e Sabrina do Couto de Miranda; e "Patrimônio e expressões culturais no Cerrado", com os docentes Mary Anne Vieira Silva e Pedro Henrique Máximo.
A programação incluiu ainda lançamentos de sete livros e duas mesas-redondas: “Educação científica e conservação do bioma Cerrado”, com os professores Mirley Luciene dos Santos e Plauto Simão de Carvalho, sob mediação da profa. Sabrina do Couto de Miranda; e “Geopatrimônio e serviços geossistêmicos no Cerrado”, com os docentes Cláudia Valéria de Lima e Pedro Damasceno Monteiro da Silva, mediada pela profa. Adriana Aparecida Silva.
Entre as oficinas práticas, o público participou de atividades como “Flores dos Pirineus”, com Sinomar Messias da Fonseca, e “Grafismos e saberes indígenas no Cerrado”, conduzida por Glauber Iesoru Masion Karajá, Larantixi Karajá e Maluá Silva Kuady Karajá. Outro destaque foi a oficina sobre “Uso de matérias-primas do Cerrado em produtos cosméticos”, ministrada pela profa. Josana de Castro Peixoto e organizada por Ovidia Augusta da Fonseca Almeida Brito.
(Comunicação Setorial|UEG)