Hayao Miyazaki, uma das maiores mentes criativas de nosso tempo, há quase uma década, repudiou por completo o pensamento de que suas ilustrações podem ser replicadas por máquinas: “Estou completamente enojado. Sinto fortemente que isso é um insulto à própria vida.” A declaração foi feita em 2016, após Miyazaki, um dos fundadores do célebre Studio Ghibli, ter visto a exibição de um vídeo no qual uma inteligência artificial experimental gera imagens copiando seu clássico e icônico traço. Hoje, essa declaração de quase nove anos atrás volta à tona.
Ao saltarmos para o ano de 2025, vemos um mundo onde a IA já se consolidou como ferramenta útil, sendo utilizada por milhões de pessoas em diversos campos e áreas de atuação - sejam acadêmicas, relacionadas ao trabalho, ou até mesmo em questões de organização da vida pessoal. A IA já está aqui, e deixa claro que veio para ficar. Desde seu lançamento em 2022, a plataforma de inteligência artificial da OpenAI, empresa privada norte-americana, ChatGPT, vem se aprimorando a cada dia, evoluindo e se aperfeiçoando como um vírus que reage e logo depois se adapta ao ambiente que vive, em um processo evolutivo extremamente acelerado.
Em decorrência disso, a plataforma também oferece a capacidade de gerar imagens, e é aí que voltamos ao lendário diretor e animador japonês, Hayao Miyazaki. Agora no início do primeiro quarto do ano de 2025, após uma atualização dessa IA, nas redes sociais surge uma nova tendência: usuários colocam fotos pessoais para serem refeitas, agora com o traço que remete àquele do Ghibli. Milhares de pessoas, incluindo celebridades e até líderes mundiais, copiaram esse comportamento, e passaram a postar versões “Ghibli” de retratos próprios, registros do dia a dia, ou até mesmo a ‘reimaginação’ de cenas de alguns de seus filmes favoritos - agora com o traço de Miyazaki.
Por mais que essa nova trend tenha aparência inofensiva, por detrás dela existem profundas violações e questões éticas e morais que devem ser discutidas imediatamente, para podermos estabelecer limites. Primeiramente, é necessário ressaltar como a tecnologia de inteligência artificial possui profundo impacto negativo com relação às questões políticas, sociais, trabalhistas, e também ambientais. Contudo, o principal ponto, e o mais distópico, está na questão artística.
Por mais que o ChatGPT consiga gerar imagens, vídeos, pequenos filmes, áudios, músicas, ou essencialmente qualquer coisa que você peça, é preciso esclarecer que esse processo não é artístico. A arte, de forma ultra-resumida, pode ser condensada no conceito de que qualquer expressão ou criação humana seria uma obra de arte. A IA peca profundamente com base nessa definição, não só porque ela não possui as emoções, a subjetividade, e a complexidade do ser humano, mas também pelo simples fato de que ela NÃO cria nada novo.
A IA simplesmente é treinada para replicar o que já está disponível no infinito acervo da internet. Ela não sente, não pensa, e, sobretudo, não cria. Arte de verdade não pode ser feita por robôs. Tchaikovsky perdeu sua irmã enquanto compunha “O Quebra-Nozes”. Ele continuou a criação da obra em memória à ela, colocando toda sua tristeza, luto, e saudade nela. E, mesmo mais de um século depois, ainda é possível ouvir sua dor na música. A arte é fruto da vida, de modo que expressa a representação de como é ser humano, sendo a confirmação de que todos compartilhamos emoções.
A IA não cria arte, ela gera conteúdo, produtos desalmados e desinspirados que não têm nada a dizer - e francamente é de enorme tristeza ver como o público geral se agarrou tão fácil à ideia da IA generativa. Quando foi que perdemos todos os nossos valores e senso crítico e nos tornamos loucos que consomem qualquer gororoba posta à nossa frente? O mais desesperançoso de tudo é o fato de que, se não pararmos isso antes, chegaremos a um ponto em que existirão mais imagens geradas por IA na internet do que as feitas por humanos. O que acontecerá quando o algoritmo começar a usar imagens de IA para treinar a próxima versão do ChatGPT? Nossa cultura se engoliria e se autodestruiria, como uma espécie de Ouroboros (cobra que come o próprio rabo) macabro.
Dito isso, ainda temos esperança. Obviamente é inútil resistir à implementação da IA na sociedade, pois ela está aqui, e não pretende sair tão cedo. Por mais que ela inegavelmente seja uma ferramenta de utilidade no cotidiano, temos que lutar para que seja controlada, e que não substitua o verdadeiro talento - o humano. Como disse a autora Joanna Maciejewska : "Quero que a IA lave minha roupa e louça para que eu possa fazer arte e escrever, não que a IA faça minha arte e minha escrita para que eu possa lavar minha roupa e louça".
Lucas Torres é aluno do curso de Cinema e Audiovisual da UEG
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