Todos os anos os biomas Cerrado, Pantanal e Amazônia sofrem com as queimadas que destroem a fauna e a flora. Uma pesquisa realizada com base no comportamento de formigas por Filipe Viegas de Arruda durante doutorado na Universidade Estadual de Goiás (UEG), no Programa de Pós-Graduação em Recursos Naturais do Cerrado (Renac), mostrou os impactos das queimadas tanto no início como no fim do período seco.
A pesquisa, orientada pelo professor Fabrício Barreto Teresa, demonstrou que as queimadas no início do período seco, no mês de maio, são menos impactantes do que as do final do período seco, em setembro, e que a forma como a queimada é realizada também é importante. "Como as grandes queimadas vêm se tornando um grande problema global, compreender como prevenir essas queimadas é um desafio universal para proteger a biodiversidade", destaca o orientador.
De acordo com Filipe, os resultados da pesquisa impactam as tomadas de ações futuras do manejo com fogo. "Se durante o manejo as queimadas forem realizadas em áreas estratégicas no início do período seco, poderemos evitar grandes queimadas no final do período seco e, consequentemente, reduzir o impacto das queimadas na fauna e na flora", salienta.
O pesquisador explica que na comunidade quilombola Kalunga, no nordeste de Goiás, o número de grandes queimadas diminuiu drasticamente desde que o manejo do fogo começou a ser realizado pelos brigadistas e pelo Ibama. Eles definem as áreas que serão queimadas no início da seca utilizando o mapa de combustível (imagens de satélite) onde é possível observar as áreas que estão há vários anos sem queimar e com grande acumulo de vegetação seca. "Assim, essas áreas queimadas funcionam como um cinturão de proteção", atesta.
Metodologia
Para verificar o impacto das queimadas para a biodiversidade do Cerrado e do Pantanal, Filipe utilizou formigas. Filipe explica que as formigas respondem rapidamente às modificações e perturbações. "Utilizando as formigas a gente consegue avaliar, por exemplo, como o fogo impacta a biodiversidade de uma determinada área. Além disso, as formigas também vivem no solo e nas árvores e consequentemente isso nos permitiu observar se o fogo impacta de diferentes formas os animais que vivem nas árvores e no solo", diz. "Com certeza os resultados com formigas direcionam o que está ocorrendo com outros grupos de animais. Além, disso os estudos com as formigas arborícolas mostram como animais e plantas são impactados pelas queimadas", diz o pesquisador.
Filipe explica que para chegar a essa conclusão foram analisadas espécies de formigas no solo, nas árvores e em ninhos artificiais em árvores. A pesquisa mostrou que as queimadas com diferentes intensidades afetam a colonização das formigas arborícolas em ninhos artificiais de diferentes formas. "Além disso, as diferentes espécies de formigas responderam de forma diferente às queimadas com diferentes intensidades, mostrando assim que as formigas podem ser utilizadas para avaliar a intensidade das queimadas", salienta Filipe. Segundo o pesquisador, os impactos das queimadas com diferentes técnicas impactou de diferentes formas as formigas. "Esses resultados demonstraram que a escolha da técnica de queimada também é um fator importante e que deve ser levado em consideração na realização do manejo", destaca.
Parte dos dados desse experimento realizado no doutorado foram publicados na revista científica Ecological Indicators sob o título "Different burning intensities affect cavity utilization patterns by arboreal ants in a tropical savanna canopy" (Diferentes intensidades de queima afetam os padrões de utilização de cavidades por formigas arborícolas em um dossel de savana tropical).
Como começou
O pesquisador diz que a ideia inicial foi trabalhar com o Manejo Integrado do Fogo (MIF) e estabeleceu uma parceria entre a UEG, a comunidade quilombola Kalunga e o Ibama. "Através de conversas com os brigadistas do Ibama (moradores da comunidade tradicional quilombola) e com funcionários de carreira do IBAMA que possuem uma gigante experiência com queimadas, elaboramos perguntas que teriam aplicações práticas ao manejo com fogo", ressalta.
Filipe diz que o manejo com fogo no Cerrado é feito no início do período seco, quando a umidade do ar é mais alta e a vegetação ainda não secou, enquanto as queimadas criminosas ocorrem no final do período seco, quando a umidade do ar é mais baixa e a vegetação é mais seca. Outro ponto importante a se compreender, de acordo com o pesquisador, é que existem diferentes técnicas de queimadas: queimadas contra o vento, a favor do vento, em L e em faixa.
Compreendendo essas questões, os brigadistas, os analistas e os fiscais do Ibama sempre tiveram algumas perguntas: as técnicas de queimadas contra-vento, em L e circular causam impactos diferentes?; o fogo feito pelo manejo no início do período seco é menos prejudicial do que os incêndios criminosos que ocorrem no fim do período seco?; como o fogo impacta a fauna nas planícies de inundação?
Na busca por saber se essas perguntas já haviam sido respondidas, o pesquisador Filipe Viegas elaborou e publicou na Biota Neotropica o primeiro artigo da tese sob o título "Trends and gaps of the scientific literature about the effects of fire on Brazilian Cerrado (Tendências e lacunas na literatura científica sobre os efeitos do fogo no Cerrado Brasileiro)". "A partir desse primeiro trabalho ficou ainda mais claro que existem grandes lacunas científicas em relação aos estudos com fogo no bioma Cerrado", atesta. Dando sequência aos estudos, veio a ideia de estudar o impacto do fogo sobre as formigas.
Outros experimentos
Também em parceria com a brigada quilombola Kalunga e o Ibama-Previfogo, Filipe montou outro experimento, onde foram selecionadas diferentes áreas e delimitadas as que seriam utilizadas como controle. Algumas áreas seriam queimadas no início do período seco, no mês de maio, e outras no final do período seco, em setembro. "Esse experimento tinha como finalidade demonstrar se as queimadas controladas pelo manejo no início seco são menos prejudiciais do que as queimadas realizadas de forma criminosa no final do período seco", conta. Os experimentos foram realizados entre os anos de 2016 e 2017.
Aqui também as formigas foram utilizadas para avaliar o efeito das queimadas em diferentes épocas e para isso foram coletadas antes das queimadas, depois das queimadas e um ano após as queimadas. "Nossos resultados demonstraram que as queimadas realizadas no início do período seco impactam menos a fauna do que as realizadas no final do período seco. Além disso, as coletas realizadas um ano depois das queimadas mostraram que as comunidades de formigas se recuperaram mais rápido que as comunidades das áreas queimadas em setembro", atesta. Além disso, diz o pesquisador, os dados demonstraram que as queimadas realizadas no período do início da seca são menos intensas dos que as realizadas em setembro. "Nossos resultados auxiliaram a dar suporte para a continuidade das atividades de manejo com fogo no início do período seco", diz Filipe.
Para concluir o doutorado, Filipe Viegas fez parceria com os pesquisadores Thiago Izzo e Viviane Layme, da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) para avaliar o efeito das queimadas nas áreas de inundação do Pantanal. O estudo foi realizado entre 2012 e 2015 no município de Poconé (MT).
Pantanal
O experimento também serviu para analisar o efeito da inundação e como esses diferentes distúrbios (fogo e inundação) interagem. Os resultados demonstraram que o fogo é o distúrbio que causa maior impacto na comunidade de formigas. "Esses impactos tendem a desaparecer após quatro anos que a área fica sem queimar", destaca. O pesquisador diz que, mesmo assim, com o aumento da intensidade, da frequência e das áreas das queimadas no Pantanal nos últimos anos, as queimadas podem funcionar como um filtro para a fauna, extinguindo localmente algumas espécies mais sensíveis. Em breve esse trabalho deve ser publicado em uma revista científica.
Filipe explica que a experiência com o manejo integrado do fogo durante o doutorado trouxe uma nova oportunidade. Logo após concluir o doutorado ele foi selecionado para trabalhar como pesquisador no Instituto Nacional de Pesquisa do Pantanal (INPP), onde dá continuidade às pesquisas com fogo no Pantanal. Filipe, em parcerias com outros pesquisadores, também avalia o efeito do fogo em diferentes grupos de animais, como formigas, aves, anfíbios, mamíferos e besouros.
Como estudioso do assunto, Filipe ainda tem trabalhado com o uso do fogo pelas comunidades tradicionais e pelos criadores de gado. "Com as grandes queimadas que ocorreram no Pantanal no ano de 2019 e no ano de 2020 eu acredito que compreender o efeito das queimadas na fauna de um ambiente tão rico e peculiar como o Pantanal é extremamente importante. Além disso, as pesquisas atuais visam obter resultados que possam auxiliar a criação de um plano de manejo com fogo no Pantanal para evitar que ocorram grandes queimadas nos próximos anos", destaca.
(Dirceu Pinheiro|Comunicação Setorial|UEG)