A concepção de normalidade ainda domina nossa sociedade negando cotidianamente a existência das pessoas que não se enquadram no padrão tido como “normal”. Nesse sentido, o diferente precisa continuamente se afirmar, resistindo aos sistemas de opressão, re (existindo) para mostrar que, sim, sua existência é importante no mundo.
Essa foi a proposta da exposição sensorial e acessível Re(Existência), fruto de uma parceria entre a Universidade Estadual de Goiás (UEG) e a Universidade Federal de Goiás (UFG), por meio dos cursos de Cinema e Audiovisual, do Laboratório de Pesquisas Criativas e Inovação em Audiovisual (Cria Lab|UEG), da Faculdade de Educação Física e Dança (FEFD|UFG) e do Media Lab UFG.
A exposição exibe o processo de produção e a apresentação da remontagem do espetáculo de dança inclusiva “Endless”, do grupo português Dançando com a Diferença, do coreógrafo Henrique Amoedo.
No Brasil, o espetáculo foi coordenado pela professora da UFG Marlini Dorneles de Lima e contou com um elenco formado por 60 pessoas com deficiência, além de seus familiares, bailarinos profissionais e educadores.
O espetáculo é inspirado no Holocausto e para Marlini, tanto ele quanto a exposição refletem sobre a inclusão e a intolerância à diferença. “São um lugar de existência na resistência, a partir da arte a gente consegue existir e resistir de uma maneira diferente”, sustenta.
A exposição conta com fotografias em 3D para serem vistas e tocadas, imagens acompanhadas de legenda em braile e audiodescrição e vídeo em libras. A série “Poesias táteis”, do artista Hal Wildson, com obras sensoriais, também compõem a exposição.
Re(Existência) foi lançada no início do mês de outubro e já recebeu um público de mais de mil pessoas. “Superou nossas expectativas. Recebemos pessoas cegas, surdos, cadeirantes, de outras cidades e até de outros estados, além de estudantes de vários cursos e os dançarinos e atores que fizeram parte do espetáculo”, comemora Júlia Mariano, curadora da exposição e professora do curso de Cinema e Audiovisual da UEG.
Segundo Júlia, a ampla divulgação pela imprensa e pela comunicação das Universidades envolvidas despertou o interesse do público, principalmente por se tratar de um assunto tão complexo.
Processo de produção
O espetáculo de dança Endless foi apresentado em junho de 2018, após meses de trabalho com escolas e instituições goianas que atendem pessoas com deficiência. Sob a orientação da professora Júlia Mariano, os alunos do curso de Cinema e Audiovisual da UEG registraram por meio de fotografia e audiovisual todo o processo de construção do espetáculo e a apresentação dele.
“Ficamos 6 meses envolvidos nesse projeto, fotografando, filmando e selecionando material para conseguirmos realizar a exposição. E tudo foi pensado para que as obras fossem acessíveis para todos os tipos de público”, relata a professora.
A curadora explica que os estudos sobre acessibilidade ainda são recentes e que não havia um manual a ser seguido quando a exposição estava sendo pensada, por isso “muitas coisas foram elaboradas a partir da troca de experiências com pessoas que apresentam deficiências”, lembra.
Bruno Lacerda, aluno do 2º período do curso de Cinema e Audiovisual, conta que participar da produção da exposição foi uma experiência desafiadora. “Já é difícil montar uma exposição convencional, organizar uma que fosse acessível a todos os públicos foi ainda mais complexo. Pensamos em diversas coisas. Daí, percebíamos que algumas não seriam possíveis porque determinadas pessoas poderiam não ter a mesma experiência. Enfim, planejamos várias vezes".
Hal Wildson, artista visual e acadêmico do 2º período do curso de Cinema Audiovisual da UEG, foi convidado a participar do projeto, para criar a série “Poesias Táteis”.
“Normalmente meu trabalho é visual e tive que desenvolver obras que, além de visuais, fossem táteis, que pudessem ser interativas, que pudessem ser compreendidas de forma inclusiva. Então, foi um processo interessante e que me fez crescer muito como pessoa”, explica Hal empolgado.
Os alunos que desenvolveram as fotografias e o making of do espetáculo também participaram como monitores da exposição, guiando a visitação das pessoas.
Impressões
Marlice Tre, mãe da dançarina Thaynara Tre que tem síndrome de Down, conta que desde que a filha tinha seis meses de idade tem procurado atividades que ela possa participar e se desenvolver, mas que nunca esteve em um projeto, “em que não se percebe as diferenças, tamanha a integração dos participantes, como foi o projeto do espetáculo Endless”.
Marlice ainda completa emocionada: “Acredito que o espetáculo foi marcante para todo mundo e, agora, fiquei impressionada como a exposição conseguiu retratar muito bem, não só a apresentação, mas também questões como a liberdade, o afeto, as diferenças”.
Marlice salienta que as pessoas com necessidades específicas, em geral, são julgadas a partir daquilo que não têm ou não conseguem fazer. O espetáculo, ao contrário, enfatiza justamente o potencial dessas pessoas e a exposição Re(Existência) veio para mostrar e reforçar isso.
Para o professor Marcelo Costa, coordenador do Cria Lab, a exposição é um projeto desenvolvido a muitas mãos que conseguiu trabalhar não apenas a acessibilidade mas, igualmente, a poética.
“Ficamos muitos felizes com o resultado. Foi muito bacana observar como as pessoas interagiram, se relacionaram com a obra”, conclui Júlia Mariano.
A Exposição segue aberta à visitação até às 18h de hoje no Media Lab, localizado no Câmpus Samambaia da UEG. Depois, as obras poderão ser apreciadas sob agendamento prévio.
SERVIÇO
Exposição (Re)existência
Local: Media Lab (Câmpus Samambaia UFG)
Endereço: R. Samambaia, S/N - Vila Itatiaia, Goiânia
Visitação: Até 26 de outubro - das 13 às 18h
Agendamentos e informações:
(62) 3521-1659 ou (62) 98126-0562
(Adriana Rodrigues | CeCom)