No início dos anos 2000 uma discussão tomava conta das rodas universitárias e gerava discussões acaloradas país afora. A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), por força de lei estadual, reservava 50% das vagas do processo seletivo de 2003 para ingresso via cotas – algo que revolucionou o ensino superior nacional e provocou embates que perduram até hoje.
No ano seguinte, Goiás aprovava sua própria lei sobre a questão, e em 2005 a Universidade Estadual de Goiás (UEG) realizava o seu primeiro vestibular com destinação de cotas raciais, para população indígena, deficientes e para egressos do sistema público de ensino, tornando-se uma das pioneiras desse sistema.
A despeito das críticas ao modelo, e a viabilidade de sua aplicação, 13 anos depois pesquisas realizadas por diversas instituições nacionais atestam a eficácia das cotas para a superação de assimetrias historicamente observadas nas universidades brasileiras. Os resultados desmontam também diversos argumentos contrários ao sistema, entre eles o de que a qualidade e o nível do ensino superior decairiam com a implantação das cotas.
“As cotas representam uma importante ruptura com o modelo de exclusão. Garantir acesso de grupos historicamente marginalizados ao ensino superior provoca importantes e necessárias mudanças na estrutura social”, reflete a professora Maria Olinda Barreto, pró-reitora de Graduação da UEG.
Desafios
Em 2005 o percentual de jovens negros e pardos em idade universitária, dos 18 aos 24 anos, que cursavam ensino superior no Brasil era de 5,5%, o equivalente a menos da metade de brancos no mesmo ano (17,8%). Esse número, de acordo com dados divulgados em maio passado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), passou para 12,8% em 10 anos.
O professor Wellington Oliveira dos Santos, professor do Câmpus Formosa, explica que as cotas são os elementos mais visíveis das chamadas políticas de ações afirmativas, que são um conjunto de ações com o objetivo de corrigir as desigualdades sociais baseadas em critérios de raça/etnia, gênero e classe, por exemplo.
“O foco dessas políticas são os chamados grupos sociais minoritários, ou seja, aqueles que historicamente se encontram em situação de vulnerabilidade”, explica. Além disso, o professor pontua que o termo minoritário deve ser compreendido não por questões quantitativas, mas na perspectiva de não acesso às esferas de tomadas de decisão e poder.
“Inclusive, porque estatisticamente a população negra é maior que a branca, portanto, a discussão não é numérica, mas sim sobre quem está fora dos círculos de poder, o que incluí também barreiras no ensino superior”, afirma.
Uma nova cara
O professor Ronaldo Rosa dos Santos Junior, coordenador do curso de Administração da Universidade Araguaia, considera a política de cotas da UEG como um importante avanço para o ensino superior no estado. Ele se debruçou sobre primeira década da política de cotas na UEG para desenvolver sua tese de doutoramento e fez uma análise positiva sobre o assunto.
“As cotas trazem desenvolvimento social e acadêmico. Os dados que eu apresento na minha tese apontam que o desempenho dos estudantes cotistas não está distante dos demais ingressantes”, atesta.
Na prática, os reflexos das ações afirmativas podem ser observados na mudança de perspectiva em sala de aula. “A inclusão de pessoas com os mais variados perfis e trajetórias pessoais forçou mudanças significativas no processo de ensino-aprendizagem”, analisa o professor Rezende Bruno Avelar, coordenador de Direitos Humanos da UEG.
Segundo o professor, ao se tornarem parte integrante do mundo acadêmico esses estudantes trazem para a Universidade um recorte social que por muito tempo foi invisibilizado dentro do mundo acadêmico. “São estudantes que passam a falar a partir de suas próprias experiências. Algo que enriquece os debates e força a revisão de paradigmas”, afirma.
Além desse ganho, os professores Ronaldo e Wellington chamam atenção para o fato de que o desempenho desses estudantes não se encontra, como muitos sustentavam, aquém daqueles que ingressam pelo sistema tradicional. Fato que também é observado na UEG.
Sobre a questão, o professor Thyago Madeira França, coordenador de Assuntos Estudantis da Pró-reitoria de Extensão Cultura e Assuntos Estudantis, diz que esse panorama é possibilitado pelo alinhamento institucional entre ingresso e permanência. “Não há como falar em inclusão sem permanência”, diz.
Além das cotas
Com quase 15 anos de sua implantação a política de ingresso por cotas sociais na UEG se mostra exitosa. Essa foi a conclusão das discussões sobre as cotas, em um ciclo de debates em maio, dentro da agenda de formação continuada para os professores da disciplina Diversidade, Cidadania e Direitos.
“Quando nós, enquanto universidade, colocamos em nossa matriz curricular essa discussão, e mais ainda, como componente obrigatório a todos os cursos, nós assumimos uma posição e dizemos a sociedade que oferecemos formação humanizada”, assegura a professora Maria Olinda.
O professor Wellington explica que políticas de inclusão no ensino superior são um conjunto de ações que possibilitam o ingresso, a permanência e a conclusão com êxito. “Não se trata apenas de incluir, mas também sobre as condições para que esse estudante conclua sua graduação”, diz.
Na UEG, segundo dados apresentados pelo professor Thyago, as bolsas permanência contemplam, em grande número, os estudantes cotistas da instituição. “A leitura que nós fazemos é que os bolsistas permanência da instituição apresentam desempenho acadêmico semelhante ao dos estudantes do sistema universal”, conclui.
Nos últimos anos a UEG tem investido massivamente em seu Programa Próprio de Bolsas, só em 2016 e 2017 foram investidos R$ 15 milhões do orçamento próprio da instituição.
Lei de cotas da UEG
Em 2004 Goiás tornava-se um dos estados pioneiros ao garantir, por via da Lei Estadual 14.832, de 12 de julho, o estabelecimento de cotas de ingresso por contas no Sistema Estadual de Educação Superior.
Pelo estabelecido, 45% das vagas do processo seletivo passaram a ser destinadas para as cotas sociais e étnicos-raciais. A lei estabelece também 15 anos para a vigência do sistema, prazo que se encerra em 2020.
“Nesses 13 anos os avanços são inegáveis, mas, apesar dos ganhos, ainda há muito a ser feito para a superação das discrepâncias de acesso ao ensino superior”, analisa o professor Rezende.
Para a Pró-Reitora de Graduação, ainda que a Universidade tenha se tornado um ambiente mais diverso, é necessário garantir a continuidade na ocupação do mundo acadêmico por grupos que historicamente foram apartados desse ambiente.
“Essa lei é um marco para a Educação Superior Pública no Estado, e no país! Ela mudou a cara da Universidade. Hoje nós temos no país uma geração de doutores saídos das faixas populacionais que estavam às margens do processo de educação superior. Estamos falando de pessoas que são as primeiras em suas famílias a cursarem uma graduação. E as cotas foram a garantia de mudança na vida dessas pessoas e das suas famílias. Com a proximidade de sua extinção é necessária a mobilização institucional pela sua manutenção”, afirma categoricamente a professora Maria Olinda.
(Fernando Matos | CeCom|UEG)