Professora da UEG analisa a reconfiguração do trabalho doméstico no Brasil
Há um ano era aprovada a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 66/2012, a PEC das domésticas. Mesmo representando um avanço nas relações trabalhistas no Brasil, outras ações ainda se fazem necessárias
No dia 02 de abril de 2013, o Brasil deu um importante passo rumo à superação de um dos maiores equívocos cometidos contra uma categoria profissional no país: a falta de regulamentação e seguridade de direitos trabalhistas aos empregados do serviço doméstico. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 66/2012, conhecida como PEC das Domésticas, estende direitos concedidos aos outros profissionais a esses trabalhadores, garantindo, entre outros benefícios, jornada trabalhista de oito horas diárias e recebimento de horas extras.
A problemática para a resolução dessa regulamentação residia no artigo 7 da Constituição, que trata diretamente dos direitos profissionais e que restringia esses direitos aos trabalhadores domésticos. O texto do artigo não determinava de maneira precisa que os profissionais do serviço doméstico se enquadravam nesse perfil.
Nesse sentido, a professora da UEG no Câmpus de Ciências Socioeconômicas e Humanas, Nádia Vaz, aponta que a PEC representa um avanço nas relações trabalhistas. “O tratamento dispensado a essa categoria ainda está atrelado ao modelo escravagista colonialista brasileiro”, analisa.
Mesmo depois de um ano de sua votação, alguns pontos da PEC ainda não se encontram efetivados. Segue abaixo entrevista com a professora Nádia na qual ela analisa a reconfiguração da cultura do trabalho doméstico no País e pontua quais conquistas ainda precisam ser atingidas em benefício dos profissionais de serviços domésticos.
CGCom - O trabalho doméstico, antes da regularização, simbolizava o último refúgio escravagista no país. Por que essa PEC veio tão tardiamente?
Nádia Vaz (NV) - O modelo econômico cria novos significados para a exploração. Dessa forma, a escravidão foi um sistema de trabalho exploratório marcante na formação da cultura brasileira. Ocorre uma reinvenção dessa percepção pela cultura contemporânea. Basta lembrar que ainda existem famílias que buscam crianças em interiores pobres para “educarem” e as mesmas vivem em cárcere privado. A PEC é uma vitória dos movimentos sociais, em especial dos sindicatos das empregadas domésticas.
CGCom - Pode-se dizer que a cultura do trabalho doméstico no país alimenta a ilusão de um “status” para quem pode empregar um trabalhador doméstico?
NV - (Risos) Isso não é status. Mais uma vez provamos a cultura colonialista. Acreditar que ter uma doméstica é ter status reflete uma percepção distorcida das relações de trabalho e do modelo econômico. Percebemos que o modelo capitalista camufla sua essência, tentando apagar a distinção entre os tempos de trabalho. Dessa forma, é um engodo acreditar que as relações de trabalho sejam trocas igualitárias. É pura exploração. Por isso é risível e monstruoso as pessoas verem a exploração do trabalho doméstico como status.
CGCom - A senhora acredita que muitas das reações contrárias à PEC se ligam diretamente à ideia de que esse tipo de serviço é coisa de "gente de segunda categoria". Não podendo, portanto, ser uma atribuição dos que se pensam como elite?
NV – Karl Marx afirma que a ideia da época é a ideia dominante. Então, esse é o pensamento burguês. Esse é o pensamento da maioria da população que só atribui valor às profissões efetivadas nas universidades. Essa é a dicotomia entre trabalho manual e trabalho intelectual. Além do mais, esse preconceito está impregnado, entranhado, na população, especialmente na população branca elitista.
CGCom - Após um ano de sua aprovação, como a senhora avalia o cenário para trabalhadores domésticos? E o que precisa ser repensado ou aperfeiçoado?
NV - É preciso repensar a mentalidade e a valorização dos profissionais que não se encaixam nos padrões burgueses. Domésticas, garis, trabalhadores de serviços gerais e, inclusive, trabalhadores do magistério sofrem violência a todo o momento com falas preconceituosas e deboches. Dessa forma, existe uma série de problemas detectados como: seguro desemprego em caso de desemprego involuntário; FGTS; remuneração do trabalho noturno e diurno; e salário família.
(CGCom)